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Saúde-Hernia inguinal - (crédito: Valdo Virgo)
Uma em cada 100 crianças sofre de hérnia inguinal, problema que atinge especialmente os bebês prematuros: quase um terço deles nasce com a protuberância na região da virilha, segundo a Associação Brasileira de Cirurgia Pediátrica (Cipe). Se homens adultos assintomáticos têm a opção de não operar, em meninos e meninas, o reparo cirúrgico é obrigatório, sob risco de complicações potencialmente letais. Para os pais, a situação é aflitiva. Porém, um estudo recém-publicado na revista Scientific Reports com 3.249 pacientes, sendo 72,82% com menos de 9 anos, constatou que tanto a técnica aberta quanto a laparoscópica são seguras e efetivas, com baixa incidência de reoperação e intercorrências.
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"A causa da hérnia inguinal na criança é o não fechamento de um conduto que comunica a cavidade abdominal com o escroto (nos meninos) e os grandes lábios (nas meninas)", explica Ana Cristina Tannuri, cirurgiã pediatra do Hospital Santa Catarina e docente da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). "Esse conduto existe durante a vida intrauterina, mas costuma se fechar espontaneamente ao nascimento. Se ele não se fecha, pode ocorrer a saída de estruturas da cavidade abdominal para a região inguinal, o que caracteriza a hérnia inguinal."
Encarceramento
Em crianças, a cirurgia deve ser feita assim que a hérnia for diagnosticada porque há risco elevado de encarceramento, situação que pode evoluir para o estrangulamento, uma condição capaz de provocar isquemia ou gangrena. "Quando a hérnia fica presa na virilha, temos uma complicação chamada de encarceramento, onde existe o risco de bloqueio da chegada de sangue à região da virilha", explica Yna Silva Ramos, cirurgiã pediátrica do Hospital Anchieta Ceilândia e participante da Cipe. "Por isso, a hérnia inguinal pediátrica deve ser operada assim que descoberta, independentemente da idade — desde recém-nascidos até crianças mais velhas."
No estudo publicado na Scientific Reports, pesquisadores do Hospital Universitário de Pequim, na China, avaliaram os resultados da cirurgia de hérnia inguinal em crianças, adolescentes e jovens adultos, realizadas entre 2015 e 2021. Mais de dois terços dos pacientes tinham menos de 9 anos e 79,62% eram meninos (os casos são quatro vezes mais frequentes no sexo masculino). Os cientistas compararam, ao longo de 52 meses, as taxas de reoperação entre aqueles que fizeram o procedimento aberto e o laparoscópico, além de verificar o índice de complicações antes da alta.
No período de acompanhamento, houve três casos de reoperação e 21 de reparação da cirurgia, correspondente a 0,09% e 0,65%, respectivamente, da amostra total. Houve complicações em 0,37% dos pacientes — infecção de pele e tecido subcutâneo, distúrbios metabólicos, problemas de coagulação e sintomas respiratórios. O método mais comum em crianças e adolescentes foi o minimamente invasivo. "Não houve diferenças significativas na reoperação e nas complicações entre cirurgia laparoscópica e aberta", concluíram os autores.
SUS
No Brasil, o procedimento aberto ainda é o mais comum para hérnias da parede abdominal — que incluem a inguinal — no Sistema Único de Saúde (SUS). Um levantamento da Sociedade Brasileira de Hérnia e Parede Abdominal (SBH) mostra que, em 2023 e 2024, somente 0,62% das 685.698 cirurgias efetuadas pelo SUS foram minimamente invasivas. Porém, as cirurgias laparoscópicas para o reparo da hérnia inguinal pediátrica estão avançando no mundo, segundo os pesquisadores do Hospital Universitário de Pequim. Essa foi a modalidade realizada em 81,19% dos pacientes incluídos no estudo publicado na Scientific Reports, sendo que, na faixa de até 3 anos, correspondeu a 96,77% dos procedimentos.
"Atualmente, técnicas minimamente invasivas vêm ganhando espaço, como a cirurgia robótica e a laparoscopia com instrumentos de alta precisão", diz Ana Caroline Fontinele Yasuda, cirurgiã do aparelho digestivo do Instituto Sallet, em São Paulo. "Essas abordagens reduzem o trauma cirúrgico e aceleram a recuperação." A médica, porém, esclarece: "Ambas as opções são eficazes, e a decisão deve ser tomada em conjunto entre o médico e a família. Estudos recentes não mostraram diferenças significativas em complicações ou taxas de reoperação entre as duas técnicas."
Já a cirurgiã pediatra Ana Cristina Tannuri, do Hospital Santa Catarina e da FMUSP, vê mais vantagens na cirurgia aberta para a cirurgia em crianças, pelo fato de não haver invasão da cavidade abdominal, caso da videolaparoscopia. "A cirurgia por via aberta em crianças é realizada por meio de uma pequena incisão na região inguinal, com cerca de 1cm, e fechamento do canal que permaneceu aberto ao nascimento", explica. "Em especial, o tempo do procedimento e o porte da cirurgia aumentam os riscos tanto cirúrgicos quanto anestésicos, especialmente em neonatos e crianças pequenas", observa.
Anestesia
A médica esclarece que, no geral, a cirurgia de hérnia inguinal é "de baixa complexidade dentro do universo das cirurgias pediátricas". Além dos riscos inerentes à anestesia geral, é possível haver sangramentos, lesão das estruturas do cordão inguina e recidiva, enumera. "Quando a hérnia é operada em situações de urgência, como na hérnia encarcerada, os riscos são maiores, incluindo lesão de alças intestinais", alerta.
Reinaldo Neves Junior, cirurgião pediátrico do Hospital Brasília Águas Claras e titular da Associação Brasileira de Cirurgia Pediátrica, diz que há um conjunto de fatores a serem considerados na escolha da via cirúrgica, como a experiência do cirurgião e o tempo de recuperação para alta. "Esses fatores devem ser analisados em conjunto com a família para definir a melhor assistência cirúrgica a ser proporcionada, visto que não há diferença no resultado, levando em consideração as duas técnicas."
O diagnóstico
No Brasil, uma análise das internações por hérnia inguinal pediátrica, feita pela Universidade Potiguar, descobriu que houve 3.854.200 hospitalizações de crianças e adolescentes de até 14 anos entre janeiro de 2019 e julho de 2021 para realização da cirurgia. Desses, 38,7% tinham até 1 ano; 26,36% de 1 a 4 anos; 18,85 de 5 a 9 anos, e 16,1% de 10 a 14 anos. Mais de 55% dos pacientes eram do sexo masculino, e 84,26% das cirurgias foram em caráter de urgência. As taxas de mortalidade foram de 1,5 (meninas) e 1,4 (meninos), totalizando 59.123 óbitos. "O estudo reforça a importância de diagnóstico precoce para evitar predomínio de intervenções de urgência e complicações", escreveram os autores.
TRÊS PERGUNTAS PARA...
Lucio Lucas Pereira, médico-cirurgião do aparelho digestivo do Sírio-Libanês (em Brasília)
Mais crianças têm feito a cirurgia por laparoscopia?
As cirurgias de hérnia inguinal em crianças, realizadas por via laparoscópica, têm crescido de forma expressiva ao redor do mundo. O avanço da tecnologia, a maior disponibilidade de equipamentos e a formação de profissionais especializados explicam essa mudança na abordagem cirúrgica — que vem substituindo, em muitos centros, a chamada via aberta, também conhecida como cirurgia tradicional. Apesar das vantagens, os resultados entre a cirurgia aberta e a laparoscópica são semelhantes quando se trata de hérnia inguinal pediátrica, especialmente em casos mais simples. Em procedimentos pequenos, não há grandes diferenças entre os dois métodos, desde que o corte na via aberta seja pequeno e bem feito.
Quando optar por uma ou outra técnica?
O fator decisivo para escolher entre cirurgia aberta ou laparoscópica não está apenas na técnica em si, mas na experiência do cirurgião e na estrutura do hospital. Se a laparoscopia está disponível e o cirurgião tem domínio da técnica, é uma ótima escolha. Mas se não houver essa possibilidade, a cirurgia aberta continua sendo totalmente segura e eficaz. A escolha do método também depende do perfil do paciente. Em crianças mais novas — principalmente abaixo dos 6 anos — a cirurgia tende a ser tecnicamente mais simples, independentemente da abordagem. Já em adolescentes, a anatomia e a fisiologia se aproximam das do adulto, o que pode tornar a laparoscopia uma opção mais vantajosa do ponto de vista técnico.
Quais são os riscos do procedimento?
Os riscos existem em ambas as técnicas, mas são diferentes. Na cirurgia tradicional, os principais problemas são infecção da ferida operatória e abertura dos pontos internos, conhecida como deiscência da sutura. Já na laparoscopia, esses riscos são reduzidos, já que não há corte na musculatura e o grau de manipulação dos tecidos é menor. Estudos apontam que, no caso específico da hérnia inguinal, não há diferenças significativas nos índices de complicações entre os dois métodos — o que reforça a ideia de que a escolha deve considerar a estrutura disponível e a experiência do profissional.