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O B ao Quadrado foi um transformador na vida da dona e fundadora do brechó, Bethânia Mayara - (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press)
Amados por muitos e odiados por alguns, os brechós são cada vez mais procurados quando o assunto é qualidade e acessibilidade. Apesar dos estigmas que percorrem a cabeça de muitos brasileiros a respeito de roupas de segunda mão, estabelecimentos espalhados pela cidade provam que autenticidade e exclusividade são as palavras chaves desses empreendimentos.
O mercado de brechós tomou grande proporção no mundo, principalmente na pandemia, porém, o hábito de comprar roupas e produtos usados é muito mais antigo. No século 19, nos grandes mercados europeus, a prática já era bem comum, principalmente entre cidadãos de classes mais baixas, que encontravam uma alternativa para o consumo mais acessível.
No Brasil, o primeiro brechó surgiu no século 19, no Rio de Janeiro, quando um comerciante chamado Belchior abriu uma loja de roupas e objetos de segunda mão. Com o tempo, o nome foi passando por transformações até se tornar a palavra já tão popular e conhecida — brechó.
De acordo com dados apresentados pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micros e Pequenas Empresas (Sebrae) em 2023, no Brasil, são 118.778 negócios ativos de brechós. O levantamento também consta que entre os primeiros semestres de 2020 e 2021, houve um crescimento de 48,5% na abertura de estabelecimentos que vendem mercadorias usadas.
Para a consultora de moda e personal stylist Tiara Mendes, o crescimento do mercado de brechós pode ser atribuído à influência da Geração Z, nome dado aos indivíduos nascidos a partir de 1995. "Eles têm uma conscientização sobre consumo e os malefícios que o descarte de milhões de peças por ano causam ao meio ambiente", destaca. Outro fator apontado pela especialista foi a normalização do consumo de peças de segunda mão, que foi facilitada pelas redes sociais.
Aqui no Quadradinho, os brechós também se tornam cada vez mais presentes pelas ruas. A cidade possui uma ampla variedade de lojas, oferecendo opções para todos os estilos e gostos. Entretanto, os empreendimentos não se limitam a espaços físicos; muitos brechós on-line têm se destacado e estão presentes em peso no mercado.
Não só aumentam o número de lojas e empreendimentos, como nomes famosos e muito conhecidos na cidade ganham espaço fora da capital brasileira. O Peça Rara iniciou sua trajetória aqui na cidade há 17 anos, e em 2021 iniciou a expansão de franquias pelo país, contando com 180 lojas comercializadas, das quais, 165 estão em operação.
No DF, a loja é quase onipresente nas quadras do plano piloto e nas ruas das regiões administrativas. Segundo dados levantados pela própria empresa, no primeiro semestre deste ano, foram comercializados 1,5 milhão de itens, que equivalem a um aumento de 57% do faturamento do brechó. O Peça Rara é exemplo de empreendimento que alia sustentabilidade e acessibilidade.
Um bem para a Terra!
A indústria da moda é uma das maiores responsáveis pela poluição do meio ambiente. Dados de 2023 do Sebrae mostram que, anualmente, são produzidas 170 mil toneladas de resíduos têxteis, somente no Brasil, das quais apenas 20% são reciclados. As 135 mil toneladas restantes são descartadas e acabam nos aterros sanitários ou no meio ambiente.
Os dados revelam uma realidade preocupante e urgente. Dentro desse contexto, os brechós se mostram como grandes aliados na busca por um consumo mais consciente e por um cuidado inevitável com a natureza. Vestir-se com estilo e consciência é o lema propagado por esse mercado.
Um movimento importante dentro da cena da moda sustentável do DF é o Perifa Brechó (@perifabrechoo). A feira itinerante, que reúne diversos brechós, ocorre sempre no segundo sábado do mês em diferentes periferias do Distrito Federal.
O primeiro encontro ocorreu em 20 de novembro de 2020, e teve a participação de quatro brechós. "Na segunda, a gente já conseguiu 13 brechós, uma escalada muito grande. E aí vimos que essa ideia dava certo", relata Kellen Vieira, 27, uma das idealizadoras do projeto. Hoje, a feira reúne cerca de 20 a 25 estabelecimentos por edição.
Segundo Kellen, o perifa pode ser considerado um dos pioneiros do movimento de feiras de brechós no DF, pois várias outras começaram a se movimentar desde do surgimento do projeto. "E isso, para a gente, é super legal porque a ideia é difundir a palavra e não centralizar", afirma. "Eu acho que o nosso papel é de ser uma vitrine sobre a moda sustentável."
O principal objetivo do Perifa Brechó é difundir a moda sustentável dentro das periferias, principalmente uma visão empreendedora a partir do tema, como uma possibilidade de transformação social. Para Kellen, os brechós são uma alternativa imediata para um problema urgente.
Transformador de realidades
O brechó B ao Quadrado (@baoquadrado_) foi um divisor de águas na vida de Bethânia Mayara, 25 anos, proprietária do empreendimento. O negócio nasceu da necessidade financeira e do interesse crescente de Bethânia pelo mundo da moda. "Eu sempre vesti brechó, desde pequena. Tive uma origem humilde, que não me dava a possibilidade de usar roupas de marca e caras, por isso sempre usei roupas de segunda mão", lembra.
O que antes era motivo de vergonha transformou-se, com o tempo, em uma grande oportunidade de gerar renda extra e realizar seu sonho de atuar no setor da moda. "Quando entrei na faculdade de serviço social, vendia algumas peças de roupa para amigas e colegas, como forma de ganhar algum dinheiro quando as coisas apertavam. E isso foi me abrindo os olhos do potencial que mercado tinha", narra.
Em 2020, durante a pandemia, Bethânia tomou a decisão de pedir demissão e se dedicar integralmente ao brechó. "Abri uma página no Instagram e comecei a postar", relata. Em abril de 2021, abriu sua primeira loja física em Sobradinho, onde o brechó ainda se encontra. Mais de dois anos depois, em setembro de 2023, inaugurou uma segunda unidade, desta vez na quadra 412 da Asa Sul.
Para Bethânia, as lojas físicas são uma das partes mais gratificantes de seu empreendimento. "Eu sou completamente apaixonada pelo B ao Quadrado, ele mudou minha vida. As lojas são um cantinho mega especial, porque podemos conhecer nossos clientes e sair do on-line", afirma. O público do brechó é, em sua maioria, mulheres de 18 a 55 anos. Por isso, a loja foca em itens para esse público, tendo peças versáteis e atemporais em seu acervo.
Milena Mello, 24 anos, empresária e cliente fiel do B ao Quadrado, é moradora de Sobradinho e frequenta brechós há mais de oito anos. "Eu tive uma mudança muito grande de estilo por conta da maternidade, e os brechós trouxeram um novo olhar para mim. Uma das lojas que me ajudaram a construir esse olhar foi o B ao Quadrado, que traz muita versatilidade de peças. Então eu desenvolvi um estilo pós-maternidade em que consegui me olhar e me ver como uma pessoa com autoestima", compartilha Milena.
Dando vida ao antigo
Apesar do potencial que os brechós têm como agentes transformadores, muitas pessoas ainda acreditam que as roupas vendidas são de má qualidade, velhas e até com más energias. Velhas até podem ser, mas isso não necessariamente anula a qualidade. Pelo contrário, é possível encontrar roupas raras e escassas no mercado tradicional — e ainda — muito bem conservadas.
O social media Edy Ferreira, 29 anos, é amante e consumidor de brechós há três anos, possui um guarda-roupa diverso e autêntico com roupas de segunda mão. Para ele, o mais atrativo do mercado são os preços acessíveis, as peças exclusivas e únicas, além do fortalecimento do comércio local e do consumo consciente.
“Garimpei uma camiseta da Britney Spears importada dos EUA, que é o meu xodó. Além de ser muito fã da cantora, eu sempre quis ter um produto oficial dela e encontrei essa camiseta que hoje não desapego de jeito nenhum”, conta.
O social media é consumidor de carteirinha do To Face Brechó (@toface.brecho). “Eles têm, na minha opinião, a curadoria mais absurda de incrível de Brasília.” O brechó queridinho de Edy surgiu há set anos, quando os donos, Ludmila Barbosa, 26, e Mayan Martins, 27, começaram o empreendimento na intenção de fazer uma renda extra, administrando com os estudos. Na época, eles não imaginavam a proporção que alcançaria.
“O meu amor por brechós vem da exclusividade e da autenticidade das peças, sou consumidora há quase 10 anos, e em 2017 tive a oportunidade de tornar profissional a minha paixão em garimpar”, conta Ludmilla. Com loja física em Ceilândia Sul, o To Face possui um acervo variado e de grande qualidade, com foco em peças vintage e streetwear.
Diferentemente do estigma de que peças de brechós são ruins, a curadoria do To Face Brechó prova que são várias etapas e cuidados antes de a roupa ser exposta. Desde a higienização, os reparos necessários, como remover manchas, trocar botões, costurar, tirar bolinhas, até a etiquetagem, a precificação e, finalmente, a exposição.
“A melhor parte de ter o To Face é poder dar um novo ciclo para peças que em algum momento deixaram de ter valor para alguém. De saber que aquela peça vai fazer mais uma pessoa feliz, em vez de ser descartada”, declara Ludmilla.
Especializado em óculos
Foi pensando nisso que Mayton Campelo, 37 anos, decidiu resgatar alguns óculos esquecidos na tradicional ótica de sua família e fundar o Brechó do Óculos (@brechodooculos). A história começou enquanto ele ainda trabalhava no empreendimento familiar e percebeu que várias peças estavam abandonadas nos armários da loja há mais de 20 anos, acumulando poeira e teias de aranha.
“Um dia, uma amiga minha me chamou para participar de um evento de brechó e eu tive a ideia de levar aqueles óculos”, relembra. Assim, Mayton deu os primeiros passos na criação do seu próprio negócio.
Inicialmente, as atividades do brechó foram realizadas de forma on-line, por meio do site criado para o Brechó do Óculos, além de feirinhas e lojas colaborativas, que estão presentes até hoje. Foi apenas em dezembro de 2017 que o Brechó do Óculos ganhou sua primeira loja física, em uma pequena sala comercial na 706 Norte.
A partir daí, começou a crescer, e o acervo de peças aumentou significativamente. “Percebi que existia um mercado e que havia pessoas interessadas. É um negócio inovador. Não há outro brechó só de óculos no Brasil, apenas o nosso. Por isso, decidi investir mesmo”, afirma Mayton.
Depois de quatro anos na salinha da 706, a loja transferiu-se para a 102 Norte, em um espaço muito maior e mais acessível para o público. Hoje, o Brechó do Óculos oferece uma variedade de óculos novos e usados para todos os gostos e necessidades: desde peças vintage de grife para colecionadores, até óculos de escalada. Além disso, a loja tem serviços de confecção de lentes de grau, lentes solares e todos os tipos de conserto de óculos.
Brechós on-line
Além de diversos espaços físicos espalhados pelos cantos do DF, inúmeros empreendimentos on-line ganham espaço no mercado da moda sustentável. Na pandemia, muitas pessoas tiveram a iniciativa de fazer um “desapego” no Instagram com roupas paradas no armário.
Foi assim que, há três anos, o Brechó Águila (@brechoaguila) surgiu. Com uma recepção surpreendente, Ingrid Dias, 20, e Maria Vitória Lima, 24, começaram a estruturar melhor o projeto. Com a cara de uma águia, e o nome adaptado para o espanhol, o brechó significa força e garra.
“Eu acho que é muito mais do que empreendedorismo, é um estilo de vida”, conta Ingrid. Para ela, o empreendimento representa a possibilidade de transformação. “Desde muito nova, eu tinha vontade de mudar o mundo, e o brechó me deu essa oportunidade.”
Além do Águila, outros inúmeros empreendimentos dominam perfis no Instagram com o objetivo de difundir a moda sustentável. A Revista destaca alguns:
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Brechó Touché (@brechotouche)
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Singular Studio Fashion (@singularstudiofashion)
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La Guapa Garimpo (@laguapa_garimpo)
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Vincent Brechó (@vincentbrecho)
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Brechó Santé (@brecho.sante)
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Sou Vintage (@brecho.soulvintage)
Direito do consumidor
O Código de Defesa do Consumidor também se aplica à compra de produtos e roupas usadas, garantindo os mesmos direitos de aquisição em lojas comuns. A solicitação da emissão de nota fiscal é direito do consumidor e formaliza a compra, possibilitando trocas ou devoluções. Como os brechós têm a característica de possuírem roupas únicas e sem estoque do mesmo modelo, a troca pode ser feita por outro produto que agrade ao cliente.
*Estagiárias sob a supervisão de Sibele Negromonte
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O Brechó B ao Quadrado, na Asa Sul, tem como foco roupas femininas dos mais variados estilosFoto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press
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De todos os garimpos que Milena Mello já fez, o blazer foi o melhor achadinho da empresáriaFoto: Arquivo Pessoal
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Para Kellen Vieira, uma da idealizadoras do Perifa Brechó, o projeto tem como objetivo difundir a moda sustentável no DFFoto: Reprodução Instagram/ @perifabrechoo
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Os looks vestidos por Mayan e Ludmila, donos do To Face, foram montados pelo produtor de moda e stylist Roberto Schiavinato.Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
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Fundado em 2017, o brechó To Face tem foco em streetwear e peças vintage.Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
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A seleção de peças que compõem o acervo do To Face passa por todo um cuidado de higienização e reparos necessáriosFoto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
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O To Face também possui diversos acessórios em seu acervo.Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
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Atualmente, o espaço do Brechó do Óculos fica na 102 norteFoto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press
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Mayton Campelo é proprietário e idealizador do primeiro brechó exclusivo de óculos do Brasil.Foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press
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Ingrid Dias e Maria Vitória Lima são as criadoras do brechó on-line ÁguilaFoto: Arquivo pessoal
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Edy Ferreira é apaixonado por brechós e possui diversas peças de segunda mão em seu armário.Foto: Arquivo pessoal