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Neurodesafio da geração Y: demências podem afetar pessoas mais jovens

Neurodesafio da geração Y: demências podem afetar pessoas mais jovens

As demências precoces surgem com um verdadeiro enigma cognitivo que afeta a juventude. Especialistas destacam a necessidade de diagnóstico precoce e tratamento abrangente

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Iza Carvalho*

 

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Doenças neurodegenerativas afetam a população mais jovem -  (crédito: Reprodução: Unsplash)

Doenças neurodegenerativas afetam a população mais jovem - (crédito: Reprodução: Unsplash)

No vasto campo das condições neurológicas, as demências precoces emergem como um enigma intrigante e, muitas vezes, devastador. Imagine, por um momento, enfrentar uma realidade na qual a memória começa a escapar como grãos de areia entre os dedos, em que traços de personalidade que cultivou ao longo de décadas parecem se esvair no horizonte da mente.

 

Ao mencionarmos demência, é natural que a mente vagueie para imagens de idosos, afetados pelo passar dos anos. No entanto, a realidade é muito mais complexa e desafiadora do que essa narrativa comum. As demências precoces, um grupo de doenças neurodegenerativas, destroem os alicerces cognitivos e funcionais de indivíduos muitas vezes entre a faixa etária de 30 a 65 anos. Essas condições não apenas desafiam a visão convencional de demência, mas também lançam uma questão perturbadora sobre a noção de juventude e vitalidade.

 

Sintomas e variações

- As demência não se limita à doença de Alzheimer. Elas podem surgir de várias causas, como demência vascular, hidrocefalia de pressão normal, quadros de parkinsonismo atípico, encefalites imunomediadas e paraneoplásicas, além de causas mais raras, como explica Márcia Neiva, neurologista do Hospital DF Star e coordenadora do serviço de neurologia da Rede D'Or Brasília.

- Ao lidar com indivíduos abaixo de 60 anos desenvolvendo demência, a exclusão dessas possibilidades, explica a médica, é crucial para garantir um tratamento adequado.

 

- Sintomas em pacientes jovens assemelham-se aos da população mais idosa, incluindo esquecimento — especialmente de fatos recentes — desorientação no tempo e espaço, e dificuldades em tarefas cotidianas. - Em pacientes jovens, esses sintomas podem ser mais intensos desde o início, com uma progressão mais rápida.

Diagnóstico essencial, desafios iniciais

- A identificação e o tratamento precoces afetam a qualidade de vida, sobretudo quando causas reversíveis, como hidrocefalia, infecções e quadros imunomediados, são identificadas e tratadas. "Para demências degenerativas, como Alzheimer, em que a cura ainda não é possível, identificar e tratar no início pode retardar a progressão", alerta Márcia Neiva.

- No entanto, os sintomas iniciais podem ser leves e confundidos com outras condições, como depressão e ansiedade, dificultando o diagnóstico precoce.

Origens e prevenção

- Quadros infecciosos, imunomediados e paraneoplásicos podem causar demências em jovens, exigindo inclusão ou exclusão na investigação diagnóstica inicial.

Em termos de doenças neurodegenerativas, a adoção de hábitos saudáveis, como exercícios (mínimo de 180 minutos semanais), alimentação equilibrada, sono adequado e cuidado com a saúde mental, diminui as chances de progressão dessas condições ao longo da vida.

 

Impacto e suporte familiar

- Distúrbios neurológicos e psiquiátricos alteram consideravelmente a dinâmica familiar. Pacientes frequentemente não conseguem contribuir como antes para tarefas domésticas e se tornam foco constante de cuidado.

- Dessa forma, pacientes e cuidadores devem receber apoio de uma equipe multidisciplinar desde o início do quadro, alerta a neurologista.

- O envolvimento de profissionais variados, como médicos, psicólogos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas e fonoaudiólogos, oferece assistência abrangente, aliviando o fardo emocional para pacientes e cuidadores.

Pesquisa e horizontes promissores

- O tratamento varia conforme a causa específica. Novos medicamentos para o Alzheimer estão em estudo, mas seu uso clínico é limitado devido a efeitos colaterais, como sangramento e edema cerebral, apesar de alguma melhora em fases iniciais.

- Assim, mais estudos são necessários para assegurar a segurança e eficácia dessas terapias em desenvolvimento.

 

Palavra do especialista

Como a genética desempenha um papel nas demências precoces? Quais são os principais genes relacionados a essas condições e como eles influenciam o risco individual?

Em primeiro lugar, é importante ressaltar que a maioria das demências, sejam elas de início tardio ou precoce, não tem uma causa genética específica. No caso das demências precoces (ou seja, que ocorrem até os 65 anos), existe uma proporção maior de causas genéticas, mas, ainda assim, a maioria dos casos não é genética. Outro aspecto importante é que os genes associados a demências precoces possuem penetrantes variáveis. A penetrância é a frequência com que um determinado gene é expresso (a percentagem de pessoas com o gene que desenvolvem o problema). Um gene com penetrância mais baixa, por exemplo, pode não se expressar.

Quais demências não têm origem genética? 

São exemplos de demência precoce que não têm causa genética: doenças infecciosas (demência associada ao HIV — conhecida como HAND 1 —, príon), doenças autoimunes (Sjögren e Behçet), demência associada ao alcoolismo, traumatismos cranianos repetidos, esclerose múltipla, demência de origem vascular, etc. Vale ressaltar que algumas doenças vasculares mais raras, como o CADASIL, possuem componente genético; algumas doenças mais raras por príon também.

E quais são as genéticas?

As de causa genética são principalmente as chamadas neurodegenerativas: doença de Alzheimer (DA) e degeneração lobar frontotemporal (demência frontotemporal), sendo esta última mais comum nos casos precoces. Existem algumas outras, bem mais raras nesta faixa etária, como a demência por corpos de Lewy. Os genes envolvidos nos casos precoces de DA são: presenilina 1 (mais de 50% dos casos), presenilina 2 (mais raro) e APP. Existem alguns polimorfismos genéticos que aumentam o risco para DA: todos nós temos um par de genes da Apolipoproteína Epsilon; aquele que têm o par E4/E4 tem mais risco do que aqueles que têm E4/E3 e E3/E3. Os indivíduos com síndrome de Down (trissomia do cromossomo 21) também podem desenvolver uma demência do tipo Alzheimer, precocemente. Os genes envolvidos (isto é, as mutações) na demência frontotemporal são o C9orf72 (a causa mais comum de casos familiares precoces), o MAPT e o GRN.

Como a compreensão da genética das demências precoces pode impactar as opções de tratamento e aconselhamento genético?

A compreensão da genética das demências precoces é vital para o aconselhamento genético e o diagnóstico diferencial, pois o profissional pode interpretar os riscos adequadamente. Isso é especialmente importante quando demências atingem indivíduos jovens, afetando suas finanças e responsabilidades familiares. Embora não haja evidências sólidas de diferenças de tratamento, as demências precoces tendem a ser mais agressivas e rápidas.

 

Diante da ausência de tratamentos definitivos para muitas demências precoces, quais abordagens terapêuticas emergentes estão sendo investigadas atualmente? 

 

Apesar da falta de tratamentos definitivos para demências precoces, há abordagens emergentes sendo investigadas. Atualmente, não existem terapias farmacológicas inovadoras com eficácia comprovada para esses casos. Algumas terapias não farmacológicas, como terapia de estimulação cognitiva, reabilitação cognitiva, terapia ocupacional e atividade física, podem melhorar o bem-estar e tratar sintomas comuns de demência. Além disso, intervenções como musicoterapia, arteterapia, técnicas de relaxamento e interação com animais também foram propostas. Ensaios clínicos nessas populações mais jovens enfrentam desafios específicos devido à natureza agressiva e rápida das demências precoces. A chamada terapia de reminiscências envolve conversar com o paciente, a partir de fotos antigas ou lembranças pessoais (objetos), acontecimentos que foram relevantes para o indivíduo.

 

Paulo Mattos é médico e professor do programa de doutorado do Instituto D'Or de Pesquisa e Educação (IDOR), onde também participa de diferentes áreas de pesquisa (TDAH, envelhecimento e demência, neuropsicologia)

 

 

 

*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte

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