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Movimento Mulheres Negras Decidem elege duas representantes

Movimento Mulheres Negras Decidem elege duas representantes

Entre as 27 candidaturas lançadas no país, em seu terceiro ciclo eleitoral, MDM emplacou, ainda, 20 suplentes

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Carmem Souza

postado em 23/10/2022 06:00 / atualizado em 23/10/2022 06:00

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Tainah Pereira, coordenadora política do Mulheres Negras Decidem (MND) -  (crédito: Arquivo Pessoal)

Tainah Pereira, coordenadora política do Mulheres Negras Decidem (MND) - (crédito: Arquivo Pessoal)

Sim, elas estão prontas. Com quatro anos de existência, o Mulheres Negras Decidem (MND) coleciona um portfólio de conquistas em prol do aumento da representatividade nas instâncias de poder. Nesta última eleição, em uma iniciativa firmada em parceria com o Instituto Marielle Franco, o movimento lançou 27 candidaturas ao cargo de deputada estadual/distrital que, juntas, receberam mais de 230 mil votos.

 

Duas candidatas foram eleitas e 20 serão suplentes. “O fato de todas as 27 terem chegado ao 2 de outubro fortalecidas, com os compromissos que assumiram com os movimentos praticamente intactos, sem grandes interferências de partidos e forças políticas, também é uma grande vitória”, avalia Tainah Pereira, coordenadora política do MND. Em entrevista à coluna, ela faz uma análise do pleito atual e dos próximos desafios.

Como o Mulheres Negras Decidem atua para tornar os espaços de poder mais representativos?

 

Somos um movimento que apoia mulheres negras que querem estar na política institucional, ocupando um cargo de decisão. Trabalhamos desde 2018 com produção de dados, de narrativas e também com formação política não só para as que querem ser efetivamente candidatas, mas para as que vão apoiá-las. Chegamos a 2022, nosso terceiro ciclo eleitoral, com essa responsabilidade e esse senso de urgência de articulação e de prestação de serviço a esse contingente cada vez maior de mulheres negras que querem disputar eleições. Fechamos, para este ano, uma parceria com o Instituto Marielle Franco para a iniciativa Estamos Prontas, com foco em 27 candidaturas para deputadas estaduais e distritais. Temos como indicador de sucesso muito mais que o fato de a mulher ter se tornado uma legisladora — felizmente, conseguimos apoiar e eleger duas, a Laura Sito (RS) e a Camila Valadão (ES). Para nós, o fato de todas as 27 terem chegado ao 2 de outubro fortalecidas, com os compromissos que assumiram com os movimentos que as impulsionam praticamente intactos, sem grandes interferências de partidos e forças políticas, também é uma grande vitória. Vinte delas ficaram como suplentes, foram mulheres que tiveram votação expressiva em seus contextos regionais. Individualmente, o MDN, em alguma medida, apoia companheiras que já são políticas, como a vereadora Thais Ferreira (RJ) e a deputada federal Benedita da Silva (RJ), uma das nossas madrinhas. Também tivemos, pela primeira vez, uma candidatura saída diretamente do MND, que é a Rafaela Bergaria, candidata a estadual aqui no Rio, com as decisões da candidatura tomadas em conjunto.

E como é feito o diálogo com as instituições?

 

Fazemos, cada vez mais, um diálogo com os mandatos, com a institucionalidade. Ainda em 2020, quando a deputada Benedita fez a consulta ao TSE sobre a proporcionalidade do tempo de propaganda e dos recursos para candidaturas negras, estávamos presentes nesse processo. Através de articulações, passamos a integrar o Observatório de Mulheres na Política da Câmara Federal e o grupo temático de Enfrentamento ao Racismo no Senado Federal. Enfim, o movimento está crescendo, tomando relevância nas discussões, e a ideia é seguir cada vez mais próximas desse grupo de 200 mulheres, espalhadas por 19 estados, para a criação de políticas públicas mais efetivas principalmente para a população negra, mas não só. Uma coisa que a gente vem trabalhando muito com o público mais amplo é a ideia de que eleger mulheres negras é um benefício coletivo, não se trata de ter representantes que vão defender o interesse de um grupo social apenas, muito embora a gente esteja falando de um grupo muito relevante.

Isso, de certa forma, esbarra na resistência em eleger mulheres negras como representantes do povo nos espaços institucionalizados de poder…

Há muitas análises para fazer sobre isso. Uma preliminar que fizemos no âmbito do Estamos Prontas foi a de que, na eleição de agora, as candidaturas que tiveram como principal pauta da agenda o enfrentamento ao racismo não foram tão bem-sucedidas. Enquanto outras candidaturas que claramente também são antirracistas, antimachistas, anti-LGBTfóbicas que defendem uma pauta de transformação social nesse sentido, mas que não falam prioritariamente sobre esses temas — têm por exemplo, uma identidade profissional, de classe — foram melhor sucedidas. Existe uma identificação mais fácil do eleitorado quando o tema defendido pela candidatura parlamentar é mais facilmente identificável. A maior participação de pessoas negras nas disputas eleitorais tem muito a ver com um maior letramento racial da população, mas isso ainda não se converte necessariamente em mais votos de pessoas negras em pessoas negras.

O que mais chamou a atenção neste primeiro turno?

 

A quantidade de fraudes na autoidentificação, muito em função dessas novas regras eleitorais que tentam garantir algum equilíbrio na disputa entre as pessoas negras e não negras, mas que precisam de mecanismos de verificação para que sejam políticas efetivas. Essa é uma questão muito sensível, complicada, porque, oficialmente, o Estado brasileiro trabalha com a autodeclaração — a gente está passando, agora, no Censo, e o recenseador pergunta como você se declara. Então, possíveis bancas de heteroidentificação seriam muito questionadas nas universidades, como já são, nesse ponto de vista. Da perspectiva da institucionalidade, também há o argumento de que seria muito difícil verificar todas as candidaturas, já que são milhares. Então, existem alguns impasses que devemos nos debruçar sobre, estudar, pensar possibilidades para que as fraudes não aconteçam.

Quais caminhos você sugere?

Existem, algumas possibilidades, como a identificação biométrica. Mas, de novo, essa questão da identificação é muito complexa. Mas, no Brasil, está mais do que demonstrado, pelos espaços cotidiano, pela literatura, que a identidade racial é um signo social, e a discriminação acontece em função das características físicas. Por mais que você tenha um parente, uma convivência em um grupo predominantemente negro, isso não torna você necessariamente uma pessoa negra. A maneira como o Estado, a sociedade, te lê e te trata, suas chances de vida, é que, de fato, vão apontar se você pertence ou não a um determinado grupo étnico-racial. Um outro caminho é o da sensibilização. Precisamos cada vez mais apontar para essas políticas afirmativas como medidas de reparação porque, muitas vezes, não se tem essa percepção. Então, quem nunca esteve apartado, nunca sofreu dano em função da sua cor, não precisa ser reparado. E fazer com que essas discussões se fortaleçam, inclusive dentro dos partidos. Não são todos que contam com um setorial de pessoas negras, com resoluções internas de distribuição de recursos, com grupos de mulheres negras fortalecidos, por exemplo. E principalmente os partidos de direita. O que é um contrassenso, já que vimos, nestas eleições, que a maior parte das pessoas negras eleitas são de partido de direita. Então, cadê o compromisso desses partidos com seus correligionários negras e negros? Em algum grau, a Justiça Eleitoral dá muita liberdade para esses partidos. Se não há um mecanismo de controle, é difícil fazer com que essas medidas cheguem a quem realmente precisa delas. Isso é uma grande dificuldade, e acho que está refletido, de alguma maneira, no resultado das eleições deste ano.

E os resultados destas eleições sinalizam que o caminho segue difícil para as que chegam lá. Candidatas eleitas são ameaçadas, perseguidas. Vocês têm um trabalho de suporte nesse campo?

 

O cenário que a gente vive hoje é algo realmente sem precedentes, e, como movimento, entendemos que é possível fazer muitas alianças para compreendermos esse ambiente em que estamos operando e pensarmos em saídas. Não vai ser só um grupo que vai conseguir responder a esse fenômeno, é um momento mesmo de união de forças. Trabalhamos muito com uma organização chamada Purpose sobre como falar de corrupção sem se aproximar desse léxico que tem sido usado pela extrema-direita, falar de outra forma. Se a gente reforça a corrupção a partir desses signos que a extrema-direita usa, a gente acaba dando projeção, engajamento, para figuras, discursos, que consideramos nocivos. E de, enfim, informar as pessoas sobre os processos de eleições, Acho que nunca antes as pessoas estiveram tão atentas, mas também tão expostas a informações inverídicas. Então, trabalhamos para trazer o que é verídico para que o movimento se torne também um multiplicador dessas informações e trabalhar sempre a noção de que a luta é constante. Claro que a gente torce e trabalha para um resultado favorável, com um governo progressista, mas, como já está colocado, teremos um Congresso extremamente conservador, ameaçador do ponto de vista da garantia de direitos para mulheres e LGBTs. Então, mais do que respeitar os ritos eleitorais, a gente tem que trabalhar para o aprofundamento da democracia, para um pleno exercício das candidaturas que conseguimos eleger, que são do campo progressistas, para que as políticas trazidas por elas tenham ressonância no debate público.

Tenho a impressão de que as eleições estaduais tiveram resultados mais representativos do que a federal. Você concorda?

Olhando para o resultado do Estamos Prontas, a região Centro-Oeste foi a que tivemos mais dificuldade de diálogo institucional — com os partidos principalmente, mas com os movimentos também — para o lançamento de candidaturas com o perfil que selecionamos. Mas, apesar de todas as dificuldades, elas se saíram muito bem, tiveram resultados eleitorais importantes. Então, eu diria que sim. Tem um movimento desde 2020, quando vimos aquele número recorde de vereadoras trans eleitas, de olhar para essas agendas que dizem respeito à identidade de gênero, sexual e racial, mas não só como um contraponto, mas como de pessoas que, de fato, vão fazer a busca por um equilíbrio. Pela natureza destas eleições, a estratégia da extrema-direita se concentrou no Senado. A Câmara Federal e as assembleias estaduais também tiveram, claro, muito aporte do atual governo, até por conta do orçamento secreto, mas houve mais espaço para articulação com perfis mais de centro. Embora não tenha sido uma onda de parlamentares progressistas, isso garantiu eleições com votações muito expressivas. São parlamentares que chegam com muita força na nova legislatura, principalmente parlamentares negras que concorreram à reeleição, vimos na pesquisa que lançamos sobre o balanço da última legislatura. Então, quem se reelegeu se reelegeu com muitos votos. Isso é um indicativo do trabalho desempenhado.

FRASE

 

“A maior participação de pessoas negras nas disputas eleitorais tem muito a ver com um maior letramento racial da população, mas isso ainda não se transforma necessariamente em mais votos de pessoas negras em pessoas negras”

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