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Brasileiras abrem negócios, criam emprego e geram renda em Portugal

Brasileiras abrem negócios, criam emprego e geram renda em Portugal

Data de Publicação: 9 de março de 2024 09:05:00 Apesar do preconceito com o qual têm de lidar, as cidadãs oriundas do Brasil têm conquistado espaços importantes nos setores em que atuam e se tornam referências

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Vicente Nunes — Correspondente 

 

Lisboa — A presença das mulheres brasileiras em Portugal é cada vez maior. Elas representam mais da metade dos 400 mil cidadãos originários do Brasil com autorização de residência no país europeu. Muitas cruzaram o Atlântico em busca de uma vida melhor, sobretudo para os filhos, que têm a oportunidade de usufruírem de um ótimo sistema de educação, que os prepara para um mundo a ser explorado na União Europeia. Essas brasileiras têm se destacado, sobretudo, no empreendedorismo. Estão construindo negócios sólidos, gerando empregos e renda. Mas os desafios são grandes.

“É uma luta diária conciliar os papéis de mãe, de esposa, de empresária, de gestora e ainda ter vida social”, afirma Patrícia Lemos, 52 anos, dona da empresa Vou mudar para Portugal, que, neste ano, projeta faturamento de 100 milhões de euros (R$ 560 milhões). Ela atua, principalmente, no ramo imobiliário, que vive um boom em território português. Há uma demanda enorme por aluguel e compra de imóveis, e escassez de oferta, muito em função da chegada em peso de estrangeiros no país, em especial, brasileiros e norte-americanos. Toda a atuação da companhia é on-line, o que reduz bastante os custos e agiliza os negócios. “A pandemia nos empurrou para a digitalização”, acrescenta.

 

Patrícia Lemos, dona da imobiliária on-line Vou mudar para Portugal
Patrícia Lemos, dona da imobiliária on-line Vou mudar para Portugal(foto: Arquivo pessoal)

 

Patrícia desembarcou em Portugal em 2017. O primeiro ano no novo país foi de aprendizagem. Era preciso compreender a cultura, os gostos, a forma de viver dos lusitanos, as regras contábeis. “Essa curva de aprendizado é necessária para qualquer empreendedor”, ressalta. Assim que se sentiu mais segura, percebeu que chegara a hora de retomar a vida de empresária que tinha deixado para trás. A carioca já havia sido dona de um petshop e de uma agência de publicidade digital no Brasil. Experiência não lhe faltava. “Mas construir um negócio em outro país, sendo mulher e brasileira, não é fácil. E o ramo escolhido, totalmente digital, era muito incipiente em Portugal. Quando cheguei no país, as pessoas pouco usavam o WhatsApp”, recorda.

Nesses seis anos de atuação da imobiliária on-line, Patrícia fez questão de manter uma empresa só de mulheres. “Praticamente, todas as mais de 20 funcionárias são brasileiras, imigrantes. Apenas uma é portuguesa. Isso nos fortalece muito. São mulheres que fizeram a mesma trajetória que eu fiz, que sabem o valor do negócio que criamos”, destaca. A consolidação da empresa em nada diminui o ímpeto empreendedor da carioca. Pelo contrário, ela se sente desafiada diariamente, e faz planos.

“A meta, agora, é aumentar a capilaridade da companhia por Portugal inteiro e começar a trabalhar outros mercados de imigrantes. Temos tido uma procura muito grande por parte de norte-americanos, que estão se mudando para o país em busca das mesmas coisas que nós: segurança, qualidade de vida, um sistema de saúde acessível, educação de qualidade”, complementa Patrícia. “Sabemos que esse processo de crescimento será desafiador, mas estamos convencidos de que o caminho escolhido é o correto”, frisa.

Da Bahia para o Porto

 

Carol do Acarajé, empresária
Carol do Acarajé, empresária(foto: Arquivo pessoal)

 

Nascida e criada na lendária praia de Itapuã, em Salvador, Carolina Alves de Brito, a Carol do Acarajé, 41, levou um susto quando recebeu um convite de uma família de portugueses para que ela fizesse as malas e fosse trabalhar com eles no Porto, a maior cidade do norte de Portugal. Os turistas haviam provado os quitutes que ela preparava com todo o carinho ali na praia e queriam que ela levasse a comida baiana para o restaurante deles do outro lado do Atlântico. Quando falou com a mãe sobre o convite, vieram os questionamentos e as dúvidas sobre uma mudança tão repentina de país. Mas Carol bateu o pé e disse que estava disposta a assumir os riscos. Se nada desse certo, retornaria para a casa e para a rotina de antes.

Já no Porto, com o restaurante funcionando a pleno vapor, a baiana começou a imprimir sua marca. Aos poucos, a clientela foi crescendo e o boca a boca difundindo as delícias preparadas pela jovem, então com 20 anos. O negócio prosperou e cinco anos se passaram, até que uma nova oportunidade se colocou no caminho da brasileira. Ela foi convidada para montar uma banca de comidas baianas numa comemoração do Sete de Setembro do Consulado do Brasil no Porto. Deu tão certo, que a Embaixada do Brasil em Lisboa resolveu repetir o evento três dias depois. Dali em diante, o destino de Carol estava selado.

Ela de mudou para Lisboa, onde foi trabalhar em um restaurante. Nas horas vagas, no entanto, passou a participar de feiras, a fazer jantares temáticos, a ocupar todos os espaços possíveis. Foram 10 anos nessa rotina pesada, mas prazerosa. Carol, sempre com a ajuda dos orixás, tinha a certeza de que era a hora de dar os próprios passos. Pediu demissão do restaurante e instalou a sua barraca na Casa do Brasil todas as quintas-feiras. Transformou aquele local numa pequena Bahia. Mais uma vez, o boca a boca falou alto e a noite do acarajé se tornou um point. Vinham pessoas de várias partes de Portugal para provar os quitutes que ela fazia.

Diante daquele sucesso, a jovem teve a certeza de que precisava ter o próprio espaço. E não se intimidou. Em 2017, abriu a primeira unidade do Carol do acarajé, no Bairro Alto, região boêmia da capital portuguesa. Os primeiros meses foram difíceis, tudo funcionava meio improvisado, mas o tempero da baiana era tão bom, que os clientes faziam filas à espera de uma mesa. No ano passado, em julho, a brasileira, a mais nova de 14 irmãos, finalmente conseguiu abrir a segunda unidade de seu restaurante. “Foi muita luta, mas tudo está dando certo. Hoje, tenho 15 colaboradores, todos registrados”, faz questão de ressaltar. Se tudo der certo, a próxima parada será no Porto, justamente onde a jovem sonhadora desembarcou, certa de que a vida lhe reservava muita coisa boa.

Disseminação da cultura

 

Pat Cividanes, designer gráfica, ativista cultura e fotógrafa
Pat Cividanes, designer gráfica, ativista cultura e fotógrafa(foto: Arquivo pessoal)

 

A pernambucana Ana Paula Schwartz, 53, deixou o Brasil aos 21 anos em direção à Alemanha. Lá, casou-se e construiu uma bela carreira promovendo eventos culturais e no mundo da moda. Os filhos vieram e, 10 anos depois, havia chegado a hora de fazer novamente as malas para desbravar um outro país. O marido, um engenheiro alemão, tinha sido convidado para o projeto de construção da linha de trem que passaria por debaixo da Ponte 25 de Abril, ligando Lisboa ao sul do país. Ela, porém, teve pouco tempo para estruturar a nova etapa da vida. A filha, Karlianny, então com sete anos, descobriu um câncer numa das pernas e o jeito foi retornar à Alemanha para um longo tratamento.

Mesmo nesse período mais difícil — a menina acabou amputando a perna —, Ana Paula retomou algumas de suas atividades empresariais, sempre compartilhada com ações sociais. Com a filha curada da doença, a pernambucana decidiu que o momento era de retornar a Portugal. “Quando cheguei, fui trabalhar em uma escola alemã, ensinando os alunos a cultura brasileira. Era uma atividade extracurricular, mas que fez tanto sucesso, que chegou a haver filas de estudantes para o curso”, conta. Nesse meio tempo, ela esboçou uma volta à Alemanha, mas, em 2000, teve a certeza de que seu lugar era Portugal.

Desde então, entre uma e outra passagem por Bruxelas, na Bélgica, Ana Paula construiu uma base de negócios que hoje é referência na área de eventos. “Já fiz de tudo. Levei o carnaval brasileiro para todos os cantos de Portugal, incluindo as pequenas aldeias. Produzi muitos festivais de música e de moda e criei cursos de dança. Projetos que me deram muita alegria e obtiveram grande repercussão”, afirma. Mas há um trabalho, em especial, que merece toda a atenção da pernambucana: o Miss Brasil Europa, que entrou para o calendário anual do Cassino de Estoril desde 2018 — só foi interrompido durante a pandemia do novo coronavírus.

“Não se trata de um concurso de beleza tradicional. Vai muito além de um rosto ou de um corpo bonito. Temos selecionado mulheres acima de 30 anos, casadas, mães. O principal foco na disputa é o conhecimento, o nível de educação”, descreve Ana Paula, que, em meio à gestão de eventos, se tornou uma expert no sistema de câmbio, auxiliando imigrantes nas remessas e nos recebimento de recursos. A edição deste ano do Miss Brasil Europa começará a ser preparada em abril. Serão seis meses até o grande dia. “Com a consolidação do concurso em Portugal, o nosso objetivo, agora, é expandi-lo para outros países da região”, complementa.

Bonde certo

Para a carioca Janaína Miluard, 51, que mora há quase quatro anos em Portugal, mais precisamente, em Cascais, a vida lhe reservou ser empresária. “Estudei jornalismo e marketing, e não conclui nenhuma das duas faculdades. Fui, então, sendo levada para o mundo dos negócios. Em 2004, abri meu primeiro restaurante, o Palaphita, no Rio de Janeiro, em parceria com o meu marido, Mário, que é um grande empreendedor”, diz. Esse movimento deu tão certo, que acabou cruzando o Atlântico. “Eu fico a parte chata do negócio. O Mário cria, e eu faço com que seja rentável e funcione. Assim, nos complementamos”, emenda.

 

Janaína Miluard, empresária, dona no restaurante Palaphita, em Cascais.
Janaína Miluard, empresária, dona no restaurante Palaphita, em Cascais.(foto: Arquivo pessoal)

 

Na avaliação dela, empreender no Brasil sempre foi um desafio, devido às condições econômicas, mais instáveis, e à segurança, uma vez que os empreendimentos são sempre abertos. “A vantagem, quando chegamos em Portugal, foi que viemos com uma marca consolidada”, frisa. O restaurante, que fica em uma área nobre de Cascais, com vistas para o mar, abriu as portas em outubro de 2020, num período de pequena trégua da pandemia. Mas, a despeito dos percalços, do abre e fecha do comércio, o negócio prosperou. “Em abril, vamos inaugurar a segunda unidade do Palaphita em São Pedro de Estoril. Será um mercado com comidinhas. Estamos correndo com as obras”, destaca.

Janaína não tem dúvidas de que fizeram o caminho certo trocando o Brasil pelo país europeu. “Não era meu objetivo, nem do meu marido, morar em Portugal. Mas o Rio foi descendo a ladeira e pegamos o bonde certo”, ressalta, lembrando que das três unidades do Palaphita na capital fluminense, apenas a unidade que fica no aeroporto do Galeão continua funcionando. “É onde se toma a última caipirinha antes de se deixar o Rio”, brinca. Os restaurantes da Lagoa e do Jóquei fecharam.

A empresária está convencida de que todas as mulheres têm grande capacidade para o empreendedorismo. E não podem perder as oportunidades, seja no Brasil, seja em Portugal ou em qualquer outra parte do mundo. “Se você tem uma boa ideia e consegue executá-la da forma como deve ser, tem tudo para conquistar o sucesso em qualquer lugar”, frisa. Ela lembra que, na rede Palaphita, as mulheres sempre terão papel de relevância. “No nosso quadro de pessoal, elas são maioria, a gerente, a subgerente, a chef de cozinha, a subchef, a auxiliar, as atendentes. São muito comprometidas, pois as mulheres sempre têm de provar um algo a mais”, reconhece.

Furando as bolhas

Há quase dois anos em Portugal, a designer gráfica, ativista cultural e fotógrafa Pat Cividanes, 44, conta que, desde a sua chegada, o mercado luso a acolheu com muita boa vontade. “Já tinha algumas relações de trabalho com o país, mas, estando in loco, foi mais fácil furar as bolhas”, afirma. Para ela, há uma curiosidade grande por parte dos portugueses em relação ao Brasil, e de uma forma positiva. “Isso, provavelmente, não é uma coisa exclusiva da área cultural, mas imagino que, nesse segmento, tal percepção seja mais nítida. Creio que o artista brasileiro sempre teve em Portugal um respaldo, um interesse grande, principalmente, em relação à música. Contudo, hoje a gente sente nas artes cênicas, em especial, uma presença muito forte brasileira. E isso é muito importante”, assinala.

A paulista de Orlândia conta que a boa receptividade dos portugueses, apesar do preconceito real por parte de alguns deles, fez com que ela adicionasse de vez a fotografia em seu portfólio. “É um trabalho totalmente presencial, e tem me trazido bons resultados”, diz. “À medida que as pessoas vão conhecendo o seu trabalho, você vai furando bolhas. É claro que há dificuldades, mas, no geral, os resultados têm sido bem positivos”, acrescenta ela, que já faz planos. “Gostaria de trabalhar cada vez mais com artistas, não só portugueses, mas europeus, mas sem deixar de lado os brasileiros”, acrescenta.

 

Ana Paula Schwartz, empresária do setor de eventos.
Ana Paula Schwartz, empresária do setor de eventos.(foto: Arquivo pessoal.)

 

Ela lembra que, antes da pandemia da covid-19, já trabalhavaremotamente. “O designer gráfico traz essa oportunidade, que a fotografia não traz. Acabei de fazer, por exemplo, um material gráfico para um espetáculo na Noruega. Em Portugal, estou fazendo o material gráfico para o Festival Transborda, que acontecerá no fim de abril. Faço a identidade gráfica deste evento desde a primeira edição. Esta será a quarta. Portanto, realizo esse trabalho antes mesmo de me mudar para Lisboa. A tecnologia e a cultura nos trazem essa oportunidade”, detalha.

Pat enfatiza que as mulheres enfrentam desafios maiores que os homens, independentemente de onde estejam e da profissão que exerçam. “A gente aprende isso desde que nasce. A batalha é outra. Mas, da minha experiência pessoal, posso dizer que consigo furar bem os espaços. Me sinto recompensada”, diz. “Há outra coisa importante a ser dita: o espaço feminino criado nas artes performáticas em Portugal pelas mulheres trans brasileiras é muito forte. Trata-se de uma conquista e tanto, que deve ser exaltada e preservada”, complementa.

 

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