Lula assume o comando do G20 com foco no clima e na desigualdade
Data de Publicação: 11 de setembro de 2023 07:23:00 O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assume o comando do grupo que reúne as 19 maiores economias do mundo, mais as uniões Europeia e Africana, com um discurso de combate à fome, à pobreza e à desigualdade, além de foco na transição energética sustentável
Rafaela Gonçalves
postado em 11/09/2023 04:21
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recebeu, neste domingo (10/9), do premiê indiano, Narendra Modi, o martelo de madeira que simboliza a presidência temporária do G20. O ato ocorreu durante o encerramento da 18ª Cúpula de Chefes de Governo e Estado do grupo que reúne 19 das maiores economias do mundo, em Nova Délhi, na Índia.
No discurso de encerramento, Lula afirmou que questões geopolíticas não podem "sequestrar a agenda" de desenvolvimento do grupo, que reúne as 19 maiores economias do mundo, a União Europeia e agora a União Africana, que se tornou membro permanente. "Não nos interessa um G20 dividido. Só com uma ação conjunta é que podemos fazer frente aos desafios dos nossos dias. Precisamos de paz e cooperação em vez de conflitos", destacou.
A fala veio logo após uma declaração polêmica em que o petista disse que o líder russo Vladimir Putin não seria preso se viesse ao Brasil. Ele é alvo de mandados de prisão do Tribunal Penal Internacional (TPI) por crimes de guerra e não compareceu à cúpula pois corre o risco de ser detido se deixar o país. Por ser signatário do acordo que criou o tribunal, o Brasil deve cumprir os mandados caso o presidente russo viesse.
"Construindo um mundo justo e um planeta sustentável" será o lema do Brasil na liderança do bloco. O país assume oficialmente a presidência a partir de 1º de dezembro. Lula mencionou o ciclone que atingiu o Rio Grande Sul e a necessidade de demonstrar mais cuidado com a natureza, diante de tantas tragédias naturais.
Prioridades
Na ocasião, o presidente explicou como o Brasil vai organizar os trabalhos do G20 enquanto estiver no comando do bloco. O petista afirmou que a presidência brasileira à frente do grupo terá três prioridades: o combate à fome, pobreza e desigualdade; a transição energética e o desenvolvimento sustentável em suas três dimensões (econômica, social e ambiental), além da reforma do sistema de governança internacional.
Ele confirmou ainda a criação de duas forças-tarefa para ampliar o combate à desigualdade: a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza e a Mobilização Global contra a Mudança do Clima. "Precisamos redobrar os esforços para alcançar a meta de acabar com a fome no mundo até 2030, caso contrário estaremos diante do maior fracasso multilateral dos últimos anos. Agir para combater a mudança do clima exige vontade política e determinação dos governantes, e também recursos", alertou.
O presidente também cobrou dos demais países mais vontade política e determinação dos governantes para atuar no combate às mudanças climáticas, e pediu mais recursos e transferência de tecnologia. "Queremos maior participação dos países emergentes nas decisões do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional. A insustentável dívida externa dos países mais pobres precisa ser equacionada", disse.
Lula ressaltou que pretende trabalhar as trilhas de política e finanças de maneira mais integrada e ouvir mais a sociedade: "Não adianta acordarmos a melhor política pública se não alocarmos os recursos necessários para sua implementação."
Falta de profundidade
Para Marcus Vinícius de Freitas, professor de relações internacionais visitante da China Foreign Affairs University, o tom supermoderador fez com que faltasse profundidade para compreender o que se espera da política externa brasileira. "O governo Lula tem, de fato, incrementado a visibilidade internacional do Brasil. O maior desafio, no entanto, reside em saber, efetivamente, qual é o objetivo da política externa brasileira e como isto será convertido em ganhos efetivos para o país", avaliou.
Segundo Freitas, manter a equidistância em determinadas questões, como a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, será difícil até porque a liderança pressupõe a tomada de decisões e de lado. "A postura de um país sem lado, sem posicionamentos, tem sido criticada internacionalmente com relação à forma como o Brasil age, inclusive sendo chamado de anão diplomático", afirmou.
O professor emendou: "O elemento fundamental é o país entender, profundamente, as suas necessidades e interesses e pautar a sua política externa exclusivamente pela defesa de seus interesses. A configuração de amizades deverá obedecer sempre à premência do interesse nacional."
De acordo com ele, se espera que o Brasil tenha uma atuação internacional mais acentuada. "Atuar na tentativa de satisfazer interesses múltiplos somente reflete a falta de compreensão daquilo que é o interesse nacional", destacou. "A definição do sucesso da Cimeira está diretamente atrelada aos resultados que serão alcançados nos próximos meses. Considerando que, desde 2008, o impacto do G20 tem diminuído, só o tempo dirá se, de fato, o fórum ainda tem alguma relevância global", concluiu.
No último dia da Cúpula do G20, o presidente Lula teve uma série de encontros bilaterais, entre eles, com o líder francês, Emmanuel Macron, e com o príncipe herdeiro e primeiro-ministro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, — o mesmo que presenteou Jair Bolsonaro (PL) com joias.
O acordo entre Mercosul e União Europeia voltou à pauta. Em nota, o governo brasileiro afirmou que Lula teria reforçado pendências para a aprovação final do acordo de colaboração entre os blocos, como a inflexibilidade do Brasil em não desistir das chamadas compras governamentais.
O texto está em análise no Parlamento Europeu. "A reunião entre os chefes de Estado também abordou questões de cooperação em áreas como defesa e meio ambiente. Ambos os líderes discutiram pendências relacionadas ao acordo entre o Mercosul e a União Europeia, expressando a vontade de avançar na sua conclusão", informou a assessoria.
Os países sinalizaram também a intenção de reeditar em 2025 uma parceria cultural semelhante ao Ano do Brasil na França e ao Ano da França no Brasil, realizados na década passada. "Essa iniciativa permitirá que representantes da cultura brasileira visitem a França e que destaques do cenário artístico francês realizem apresentações no Brasil, promovendo ainda mais o intercâmbio cultural entre as duas nações", destacou a nota.
Além disso, Lula convidou Macron para sua primeira visita oficial ao Brasil, e o líder francês indicou que essa oportunidade pode se concretizar no primeiro semestre de 2024. A parceria estratégica entre Brasil e França foi estabelecida em 2006 e envolve diálogo político, relações econômico-comerciais e cooperação em diversas áreas.
Investimentos
Já no encontro com o príncipe saudita, o governo informou que ficou acertado que uma delegação de empresários e autoridades deve visitar o Brasil em breve para conhecer a carteira de projetos do novo PAC e que estão abertos a investimentos estrangeiros.
Os chefes de Estado também trataram de uma possível ampliação de investimentos no Brasil, na área de petróleo e gás e nas fontes verdes. Na conversa, Lula também deu as boas-vindas à Arábia Saudita como novo país do Brics. A nação árabe faz parte do grupo de seis novos integrantes oficializados no bloco, ao lado de Argentina, Egito, Emirados Árabes, Etiópia e Irã.
Este foi o primeiro encontro de Lula e bin Salman, que tinham uma reunião marcada em junho, durante uma cúpula promovida por Macron em Paris. No entanto, Lula cancelou alegando "cansaço".
O príncipe saudita foi quem deu joias no valor de R$ 5 milhões ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e à ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro. Os itens não foram declarados e, por isso, foram retidos na alfândega. O encontro com Lula aconteceria logo após a revelação do escândalo, que desencadeou uma investigação no Supremo Tribunal Federal (STF).
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